Um eu(jogo)[1] de cavalo, uma invenção esquizofrênica Entre verdade e saber, o olho e o olhar

 

 

Um eu(jogo)[1] de cavalo,

uma invenção esquizofrênica

 

   Entre verdade e saber,

o olho e o olhar

 

 Barbara Bonneau

 

 

 

                    “Diga-me a verdade”, dizia um homem esquizofrênico que eu acabara de encontrar no hospital psiquiátrico. “Meu rosto não está cheio de buracos? Será que uma mulher poderia me amar?” Reduzido a ser um puro significante da falta do Outro, o único meio que ele tinha naquele momento para estabelecer uma localização do gozo do Outro fora de seu próprio corpo, era a defecação. Como o Homem dos Lobos[2], ele rejeitava com essa expulsão qualquer significação da castração do Outro. Foi essa rejeição, Verwefung, da qual Freud diz que é diferente de um recalque, que Lacan traduziu pelo termo de foraclusão[3]. Essa noção extensa corresponde a uma abolição[4] pelo consciente de uma representação do que teria podido ser imaginado como faltante.

 

                     “Eu não sei meu nascimento. Gostaria de ter me visto nascer com os olhos abertos”, concluiu ele, numa lamentação que se parecia com a de Édipo.  Mas como poderia ele ver, mesmo a sua própria imagem no espelho, quando seu olhar está obstruído pela visão do que lhe parece ser buracos hiantes?  “Será que sou cego?” Pergunta. Ele não vê, em todo caso, o que concerne à‘elisão de castração no nível do desejo enquanto projetado na imagem’[5], ignorando por isso que há uma omissão da significação da falta no Outro. “Eu matei (tu és) meu pai e estou no espelho”.[6] A única coisa que ele tem conhecimento de seu pai é que este último caiu de um andaime antes de seu próprio nascimento. “Será que eu já estava no ventre da minha mãe quando meu pai morreu?” Ele se interroga. 

 

                      Os dizeres deste homem e, sobretudo, suas implicações, fizeram-me pensar não somente na invenção do complexo de Édipo por Freud, mas, muito mais na formulação lacaniana da disjunção da verdade e do saber que é produzida pelo discurso, e na reunião dessa disjunção no discurso com aquela que Lacan descreve na pulsão escópica. O desenvolvimento desse segundo ponto faz parte do tema de duas teses precedentes que incluem também uma discussão sobre o desenvolvimento de um certo tipo de metáfora subjetiva. Então, como o sujeito esquizofrênico inventa esse tipo de metáfora, se é que podemos chamar assim? Qual é a função dela?

 

                         Que podemos dizer “das preocupações” desse paciente? Não se pode falar nem de hobby nem de sublimação, no esquizofrênico. Também não se trata de perseguidor do tipo “Um-pai” aqui. Havia anos, e no momento de meu encontro com esse doente, sua atividade quotidiana se reduzia a um estudo minucioso e prolongado do que ele chamava “buracos” em seu rosto, diante do espelho. Afora essa fascinação diante do espelho, como definir então a construção de uma outra atividade repetida, em relação com outrem, que parece oferecer uma outra imagem especular, embora furtiva, e uma diminuição momentânea do sofrimento dismorfofóbico, sem que se possa falar de uma melhora permanente? Para compreender o que poderia ser o uso de um processo metafórico e um desenvolvimento de uma imagem especular no esquizofrênico, assim como o processo de disjunção dos termos de verdade e de saber, proponho estudar sua linguagem em articulação com a sua imagem.

 

                     Signos congelados e cadeias deslizantes

 

                 Parece-me que a imagem congelada, a imagem de buraco, no espelho, se aparenta com alguma coisa de igualmente petrificado em sua palavra.  Durante o período fecundo do delírio do sujeito, as suas palavras eram consideradas como esquizofásicas. Contudo um exame aproximado de sua fala revela uma estrutura. Esta ultrapassa a estrutura de uma qualidade poética ilustrada pelas repetições metonímicas dos fonemas.

 

                Primeiramente esses fonemas parecem estar articulados a uma espécie de metonímia do corpo, além da homofonia, que parece existir para criar uma densidade de sua linguagem. Em segundo lugar, o que o paciente chamava: a metamorfose, ou a mudança das alucinações visuais de sua imagem no espelho, parece estar ligado com as cadeias deslizantes dos significantes na ausência dos pontos de estofo[7].

 

                   Tais afirmações dependem de um exame da palavra do sujeito em sua própria língua, que, nesse caso, é o francês. Essa investigação fornece a base fonética correta para compreender os arranjos sintagmáticos e para identificar as transações paradigmáticas. Será que a dificuldade para traduzir o texto de um esquizofrênico nos termos dos dois eixos, demonstra também a ocorrência de um procedimento específico da palavra no sujeito? Eis alguns exemplos do discurso deste paciente:

 

                 “On m’a pris pour un lion par l’adjectif trop parfait de moi, pour ma clé, mon échappée, ma naissance, mon accident. Je suis l’adjectif parfois, je refuse tout traitement,  je suis un mage, une étoile, l’échappée, je suis un peu un pur, un adjectif parfait. Je me bats depuis un an avec mon visage, mon image, quand j’étais encore dément, je n’étais pas encore démantelé par la doctrine."

 

                “Tomaram-me por um leão pelo adjetivo demasiado perfeito de mim, por minha chave, minha escapada, meu nascimento, meu acidente. Eu sou o adjetivo às vezes, eu recuso qualquer tratamento, eu sou um mágico, uma estrela, a escapada, eu sou um pouco um puro, um adjetivo perfeito. Eu me debato há um ano com o meu rosto, minha imagem, quando eu era ainda demente, ainda não estava desmantelado pela doutrina.”

 

                     Do discurso do paciente poderíamos compreender que o sujeito fala do seu nascimento, de seus distúrbios e de suas crenças. Contudo, no início, não estava em questão a dismorfofobia. O que me surpreendeu foi a repetição do fonema ou do significante ‘age’ que me parecia funcionar como um motor para o resto do discurso, e ser retido para fazer séries[8]. Nesta seqüência, o fonema aparece seis vezes, em: adjectif (3 vezes), mage, visage e image, todos com a mesma homofonia em francês. Mesmo que mais tarde ele tenha contado ter observado mudanças nele mesmo durante seu décimo oitavo aniversário, não está em questão aqui a idade, ou o fato de se tornar maior. Não há transação paradigmática consciente entre o significante e o significado: age.

 

                     Será apenas uma coincidência que este significante apareça também no parco discurso que se refere praticamente à única coisa que ele sabe de seu pai biológico: que morreu caindo de um andaime (échafaudage)? Estes elementos, aparecendo aqui como um retorno de significante real, estão presentes no início do delírio do paciente, nesse delírio e em outras repetições homófonas. O significante “age” parece determinar, pelo menos em parte, e particularmente em certos momentos, a localização do gozo do Outro no rosto do sujeito. Ele reaparece, sob a forma de um recrudescimento de acne e de um eritema no rosto nos dias que precedem o seu aniversário, comemorando parece, este dia para ele. Nestas circunstâncias há uma relação entre o significante e o significado. Mesmo com o fracasso de identificação de sua forma no espelho, ele parece associar a imagem que vê como lhe pertencendo, pelo artifício desse significante que poderia ser considerado como sendo o traço unário ou, einziger Zug, aquele que encarna[9].

 

                            Entretanto, será que podemos realmente determinar um significante mestre no esquizofrênico? As próximas seqüências de fala que proponho examinar demonstram uma outra característica da linguagem desse sujeito.  As articulações em questão parecem determinar não somente a localização do gozo do Outro no rosto do paciente, mas também o aspecto virtual de sua aparência e o tipo de metamorfose da qual se queixou quando a cadeia significante deslizava sobre a cadeia dos significados. A forma mais elementar dessas seqüências realiza a redução que o paciente vai exprimir quando seu delírio tiver cessado, e ele agirá como uma rolha para a falta no Outro.

 

                           No início, o paciente ouviu vozes que afirmavam que ele tinha: ‘né d'une vache à lait[10] (nascido de uma vaca leiteira). Às vezes ouvia simplesmente: ‘tu es une vache à lait’ (tu és uma vaca leiteira). Ele poderia também ouvir: ‘Tu es un cheval’ (tu és um cavalo).  E ouvia ainda: ‘Tu es un jeu de cheval’(tu és um jogo(eu) de cavalo). O significante jeu pode ser entendido como jogo, uma atividade para se divertir ou como eu, o pronome da primeira pessoa. Não somente ele percebeu sua imagem no espelho como se parecendo com uma vaca leiteira ou com um cavalo, mas, numa associação que fará anos mais tarde, admitirá que, para ele, esta voz lhe dizia que, tal como uma vaca leiteira ou um cavalo, ele era um ser superior e deveria obrigar os outros a se submeterem a ele.

 

                          Talvez que com estas idéias que lhe surgiram, tal como os significantes que se precipitavam através de seus pensamentos, capturando o significado aqui e ali, ele deduzia que, se uma vaca leiteira fosse uma figura da fortuna, um ser superior, um mage (mago), ele era também uma figura de um ingênuo do qual se poderia extrair fortuna ou gozo. Entretanto, nunca foi inteiramente capaz de construir um perseguidor e seu delírio nunca se pareceu com o de um paranóico.

 

                             Em todo caso, naquele momento de seu delírio, as vozes diziam também que ele tinha: ‘né de la peur’ (nascido do medo).  Ele dizia que queria soluçar, ‘chialer’ (choramingar).  Mais de dez anos depois, ele confiou ao seu analista que ouviu uma voz que lhe tinha dito: ‘tu és um chial’. Esse neologismo, querendo dizer talvez algo como “um bebê Cadum”[11], parece ter sido criado da expressão da gíria: chialer(choramingar), soluçar ou chorar excessivamente. É difícil dizer em que momento ele percebia a imagem do chial, se era antes ou depois que tinha começado a chorar, ou ainda se essa imagem participava somente de uma reconstrução a posteriori. A imagem no espelho não era constante. Aparentemente mudou novamente, acompanhada pelas modificações das alucinações auditivas e os significantes deslizantes de S2[12].

 

                           Em certos momentos o sujeito não pode mais criar uma barreira contra o apetite insaciável do Outro. As alucinações são reduzidas a um comando simples, de um automatismo: Vas chier, allez (Vá cagar, vai!)! Sit venia verbo”. E com esta demanda ameaçadora, o sujeito atuou sua própria resolução, uma separação do gozo do Outro, uma produção de falso a, uma castração, de maneira que ele ficava momentaneamente aliviado da angústia dismorfofóbica, e deste sentimento de ser um ‘dejeto humano’.

 

                         'Chialer, je suis allé'[13] (choramingar, eu fui): estas respostas em forma de balbucios contendo esse núcleo de palavra são tão semelhantes, que o reconhecimento do fluxo[14] contínuo da cadeia significante, com uma ancoragem na imagem do corpo do sujeito, parece também contígua ao objeto produzido. Esta contigüidade dá verdadeiramente a impressão de que a palavra é produzida a partir do objeto.  A confusão dos fonemas próximos se manifestando freqüentemente quando significantes são perdidos, participa dessa contração da cadeia falada.[15]/[16]/[17] Entretanto, a distinção entre a imagem (fálica) e o objeto material permite uma melhor compreensão do dilema desse paciente.

 

                          O ícone ou o ser do esquizofrênico

 

                    Até agora, eu descrevi processos de linguagem mais metonímicos usados por este paciente, mesmo se reconhecemos nesse elemento de ancoragem: “chi”, não somente um elemento que parece pertencer ao mesmo tempo ao corpo e à linguagem, mas um dispositivo de estofamento e de condensação. Podemos então chamá-lo metáfora e ver neste fonema um elemento instituinte para o sujeito? Quais são as conseqüências da foraclusão do significante mestre e da confusão da imagem e de seu objeto? Alguns lingüistas insistem na noção de uma língua original, na qual os sons brutos, por exemplo, poderiam se tornar signos[18]/[19]/[20]. Lacan insiste, entretanto, no fato que estas palavras-frases, capturadas pela estrutura da linguagem não são decomponíveis. Holófrase: Há frases, expressões, que são não decomponíveis, e referidas a uma situação tomada em sua totalidade, são as holófrases[21]. Segundo as explicações de Lacan[22], quanto aos efeitos da holófrase do par significante S1 e S2, pensei que poderia ligar os fenômenos clínicos da dismorfofobia esquizofrênica com o que propus chamar um ícone, segundo a definição de Pierce da ocorrência simultânea do significante e do significado, onde um é representado pelo outro.[23]

 

                    Essa estrutura parece ser diferente do que Armando Ceccarelli[24] descreve como sendo a pseudometáfora autística porque permite à palavra do sujeito esquizofrênico de se tornar não somente “pública” num certo nível, mas também de encontrar uma forma de suplência para a metáfora (qua) do sujeito. Além disso, o termo ‘pseudometáfora’ sugere uma forma de substituição por alguma coisa que oculta a falta no Outro. Entretanto, não parece permitir a mínima possibilidade de representação, ou de substituição, apenas uma forma de ideação observada por Leonardo Rodriguez nos sujeitos autistas como sendo a que corresponde à expansão do Outro ‘em extensão e complexidade’. A coincidência do significante e do significado não permite aparentemente a mínima distância entre estes na pseudometáfora autística.[25]

 

                   No que diz respeito aos esquizofrênicos, me parece que essa estrutura do ícone substituirá em alguns casos o significante do pai simbólico de castração, mesmo que seja de modo transitório, embora impeça a operação de significação da ausência do Outro no sentido absoluto. É por estas razões que me parece, que a possibilidade de uma substituição para a falta no Outro, criada a partir do que tinha sido previamente uma rolha, foi necessariamente criada a partir de um ponto de estofo entre o significante S2 e o significado, ao invés de ser entre o significante S1 e o objeto a. Esse tipo de relação seria correlato com uma separação possível do significante e do significado apesar das aparências idênticas.  A distinção entre o significante e o significado é talvez  aqui, apenas uma inferência lógica, mas que parece necessária para descrever a invenção de uma suplência ou mesmo um Sinthoma[26] pelo sujeito esquizofrênico.

 

                             Poderíamos facilmente nos perguntar porque a ancoragem está no segundo significante ao invés do primeiro? Porque considerar este ícone como sendo criado por este enodamento imaginário, ligando o corpo ao segundo significante ao invés do primeiro? O primeiro significante não é suficiente para ligar o corpo aos signos lingüísticos? Seria atrativo, com efeito, para os neurologistas, que a linguagem possuísse uma “ancoragem anatômica”, uma espécie de objeto de pensamento que existiria desde o nascimento. Para Freud e para Lacan, a noção de corpo já é uma entidade marcada pela significação, que elide assim sua substância somática. Contudo, a transformação de um objeto material, real podemos dizer, em elemento verbal é uma tarefa aparentemente complexa, embora imaginada por certos lingüistas. Assim Lacan desenvolveu a noção de holófrase que se refere, segundo ele, ao congelamento dos primeiros significantes como resultado de uma foraclusão da significação da ausência do Outro, indicada por S1 e S2. Lembremos, entretanto, que S1 corresponde, para Lacan, a um termo de uma seqüência de identificações e S2 corresponde a um termo pertencente a uma seqüência de sentido. Para ele, S1 e S2 são ambos elementos necessários da operação de solidificação que inclui igualmente a relação da imagem do objeto entre os termos.

 

                             A imagem do objeto corresponde ao significado em termos lingüísticos. O objeto em questão não é objeto a. Embora o sujeito tente recuperar o objeto material para satisfazer a demanda do Outro, o objeto que participa da holófrase é um objeto significado. Ele corresponde ao conteúdo psíquico da mesma maneira que o objeto a corresponderia, se pudesse ser significado. Ele é real na medida em que depende dos acasos da presença do Outro. Pareceria que a marca deixada pelo Outro está ali como uma espécie de marca ou de traço no lugar da ausência, mesmo na esquizofrenia. Essa marca permanece correlacionada com mais um outro significante e uma imagem, talvez a do falo imaginário. Lacan observa[27]: “Chegaria até a formular que, quando não há intervalo entre S1 e S2, quando a primeira dupla de significantes se solidifica, se holofraseia, temos o modelo de toda uma série de casos -- ainda que, em cada um, o sujeito não ocupe o mesmo lugar”. 

 

                             Para o sujeito esquizofrênico, o primeiro significante :[28] permite ao sujeito, reconhecer a imagem ou o conteúdo significado que ele vê, como lhe pertencendo apesar da sua qualidade inumana, mas somente porque ele é capaz de preencher o buraco deixado pelo Outro com outros significantes e o significado. 

 

                          O desdobramento desse fonema ‘age’ é, portanto estruturado, parece, pela cena originária em que o pai do paciente morreu caindo de um andaime assim como pelo desejo da mãe que, de acordo com os serviços sociais que se ocuparam da família, ficara literalmente ‘chateada’(emendei) com uma gravidez no momento do acidente do seu marido. Essa recuperação e o emprego bastante não metafórico do significante ‘age’ a partir das coordenadas da imago do pai ilustra a dificuldade para distinguir um significante Mestre no esquizofrênico. Aqui a identificação é limitada a uma repetição ou uma imitação de certa forma e não permite nenhuma significação paradigmática, qualquer que seja, porque não há o lugar para uma dialética, para um sentido equívoco da ausência do Outro. Lacan indica que é a solidificação da cadeia dos significantes primitivos que impede a abertura de uma dialética observada no fenômeno de crença (Unglauben)[29]. Na esquizofrenia, aparentemente a solidificação da cadeia permite apenas associações homofônicas entre os fonemas diferentes mais próximos, e/ou a emergência mais inconsciente da síndrome psicossomática em seus aniversários, comemorando também dessa maneira a morte de seu pai.

 

                           Em tais condições, parece que qualquer significante poderia ser utilizado para pinçar o ‘je’ (Ich) se ele preenche duas condições: Ele deve prolongar a miragem narcísea, (se apenas de maneira fonética) e deve consolidar a imagem trazendo uma espécie de ‘significação’. Essa segunda condição já nos permite falar de S2, de acordo com a descrição de Lacan. Contudo essa condição não nos permite determinar uma temporalidade, apenas uma espécie de ordem lógica entre S1 e S2, nem falar de uma metáfora.  Parece que seria a ancoragem de um significante e de um significado que “institui” a ordem na esquizofrenia, no lugar da metáfora do Nome-do-Pai. Nas seqüências faladas desse sujeito esquizofrênico, o significante: j’suis (sou) e o significante: chi, são conjugados como o código e a mensagem que a seqüência suporta. Contudo, nessa conjunção, há também, às vezes, uma conjunção entre o objeto material e a imagem significada, como parece ser o caso com os sujeitos autistas. O ser do esquizofrênico parece confundir-se com o ícone.

 

                          Localizando a holófrase

 

            Para esse sujeito esquizofrênico, onde se produz precisamente a ocorrência da holófrase? Será ela verificável no lugar de uma conexão que poderíamos encontrar a partir do significante age do qual indiquei acima que poderia ser um S1? Lembremos que aqui o sujeito localiza alguma coisa da falta no Outro, nos buracos que vê em sua cara: visage (rosto), image (imagem)… Assim, faz ele aparentemente, diferentes esboços de simbolização tentando em vão integrar e neutralizar o traumatismo resultante? Ou será que a holófrase não se situa de preferência na cadeia de significantes homófonos que estão ancorados no significado como termo paradigmático para o objeto em questão, entre os homófonos: j’suis (sou) e chi?[30]/[31]

 

                           Parece que a hipótese que o sujeito faz é: “je suis” (sou), (meu pai), demonstrando a confusão entre a imagem do sujeito e a do falo imaginário, e contribuindo para a confusão entre a imagem e o real, quase idêntica àquela citada acima: “je suis” (sou) e chi. O enunciado seguinte ilustra as hipóteses do sujeito: j’ai tué mon père et je suis dans la glace (eu matei meu pai e estou no espelho), [ou l’image (a imagem) como ele diz igualmente)] e/ou J’ai, tu es mon père et je suis dans la glace, (Eu tenho, tu és o meu pai e estou no espelho), segundo a maneira como os eixos da linguagem permitem compreender o conteúdo de seus dizeres. Essa frase sublinha os efeitos de uma confusão possível entre os pronomes e os verbos na primeira pessoa em francês ser e ter ou estar: eu tenho, tu és, meu pai. O único parâmetro constante nessa frase é a conclusão. Ele diz que está no espelho, e o que ele vê nele é aparentemente ele mesmo, que a imagem seja a de seu pai ou a de um outro ser ou coisa.

 

                   Lacan diz que a função da holófrase é que ela participa da ‘unidade da frase’, na medida em que o código e a mensagem são confundidos. Ele articula essa função com a da frase para separar a noção da necessidade dos termos da demanda. A frase holofrásica não pode ser, de acordo com Lacan, reduzida à sua função, porque é tomada no discurso do sujeito.[32] Se respeitarmos a definição da holófrase proposta por Lacan, devemos reter, parece-nos, que os termos homofônicos identificados por esse sujeito, não participam somente da unidade da frase, mas respondem também aos critérios de discurso, pela capacidade que têm de dar uma consistência ao corpo do sujeito, indicando assim sua ligação com a linguagem do órgão e o neologismo.

 

                 Contudo, poderia ser útil acrescentar que, os efeitos da holófrase são tais, que os pontos variados do gozo do Outro e os termos referentes que parecem defini-los, estão ligados de certa maneira a essa holófrase. As palavras visage (rosto), image (imagem), etc., são elas simplesmente associações que poderíamos esperar ver no espelho, e/ou a repetição do significante age, não seria uma produção de um significante esvaziado e posto em série?

 

                        Talvez o doente nos forneça outros indícios nessa seqüência vinda dos primeiros momentos do seu delírio: “O último je(u) é um je(u) de cavalo, é um adjetivo…” Como foi observado também por L. Rodriguez no autista, o fonema ad parece se aglutinar ao fonema je, permitindo assim uma forma de ideação que se estende por “contaminação”[33]/[34]: “On m’a pris pour um lion par l’adjectif trop parfait de moi,..., je suis um mage, ...um adjectif parfait. (Me tomaram por um leão pelo adjetivo demasiado perfeito de mim, …, sou um mágico,… um adjetivo perfeito.)”  “  Se queremos corroborar o nosso estudo com o emprego desses processos primários assinalados por Freud, podemos obter a condensação: “Je(eu) é um adjetivo demasiado perfeito de mim” “É um cavalo”.  O “j” sozinho, funciona apenas na dimensão sintagmática. Segundo o próprio paciente, esse significante é um termo que qualifica a palavra cavalo nessa seqüência. Não podemos nem mesmo estar certos de que o fonema “je(eu)”, utilizado em primeira instância, é o pronome da primeira pessoa.

 

Ele pode também designar a distração: “jogo”. A mesma coisa para o segundo emprego. Sabemos contudo que o paciente diz além disso: “Je suis un cheval (Eu sou um cavalo)” e “Je suis un je(u) de cheval (Eu sou um jogo de cavalo)” e que a produção de um « j » nele provoca freqüentemente um outro. Em todo caso, é somente a fusão desse fonema com o fonema “sui” que permite um funcionamento também no eixo paradigmático graças à fixação pelo ícone. Este paciente, em certos momentos, parece acreditar ser um “eu-cavalo”. Essa interpretação, seguindo primeiramente as regras propostas por Freud, parece um pouco com a de Artaud que afirma ser um “eu-piolho”.[35] A associação do conteúdo significado (a imagem virtual de um cavalo) com os significantes da holófrase, sustenta a idéia de que o ícone se produz no segundo significante, permitindo um encadeamento, embora limitado, dos significantes. Parece haver uma substituição pela qual há uma tentativa de associação com outros significantes (age) mesmo que o que apareça como ‘metonímia do corpo’ seja uma forma restritiva de associação, onde a falta pela qual a metonímia é construída é quase evitada. Contudo, a substituição parece acontecer também a partir da associação de dois conteúdos significados: visage (rosto) ou image (imagem), e o do chi-al, e os significantes que lhe estão associados. O sujeito indica que para ele, “je” descreve tudo o que ele vê no espelho. Ele é cada palavra que o qualifica e sua imagem reflete essa qualificação. Esse “reconhecimento” parece ser o resultado da holófrase.

 

                   É, portanto, o verbo ser (suis), holofraseado no termo do corpo (chi), que lhe dá essa possibilidade de consistência.[36] A associação do conteúdo significado (a imagem virtual) com os significantes da holófrase sustenta a idéia, de que um certo tipo de metáfora se produz no segundo significante, permitindo um pouco de mobilidade. Parece haver aí uma substituição pela qual se produz uma tentativa de associação com outros significantes (age). Por um lado, a associação é a de uma metonímia do corpo, uma forma restritiva de associação (onde a falta pela qual a metonímia é construída é quase evitada), construída a partir da contigüidade da imagem virtual com os resíduos da imago paterna. Por outro lado, a homofonia entre o significante ge e o significante je da contração j’suis-chi, participam do desdobramento dessa seqüência por deslocamento. O sujeito indica que para ele, ele é tudo o que vê no espelho. Ele diz que está no espelho, e o que ele vê é aparentemente ele mesmo, que a imagem seja a de seu pai ou a de um outro ser ou coisa. Este reconhecimento parece ser o resultado da holófrase. Uma afirmação dessa natureza exige ser complementada por outras questões. Uma concerne ao significante “sui”, que se distingue do verbo conjugado na primeira pessoa do verbo “ser”. Respondo implicitamente neste artigo. Se falarmos do verbo, há uma questão de significação e assim de um significado, mesmo que não seja isolável. Entretanto, parece provável que a holófrase, por definição, pode ter apenas uma forma limitada de significação. O neologismo produzido (chial) leva em conta essa forma de limitação. Talvez possamos considerar que, se um significante pode dar lugar a uma forma de significação, mesmo limitada, ele pode também ter uma função gramatical, diferente dessa da “unidade da frase”, segundo Lacan.  Parece que essa questão poderia ser melhor considerada com o estudo de outras holófrases onde outros significantes adquirem o papel que o significante excepcional, “sui”, adquire nesse caso, graças à sua utilização na fala do sujeito onde se articula com o significante: “j” (ge), e forma uma fusão holofrásica com o ícone. Essa observação em si abre uma questão metafísica que poderíamos facilmente omitir. Porque o sujeito fala de “ser” em vez “de nada”? A natureza mesma da utilização que ele faz dessa holófrase demonstra que o “verbo” adquire uma significação e não é simplesmente um significante esvaziado de seu sentido. O “je”, caracterizado por Lacan como “ser de não-sendo”, se dota nesse caso de um “ente”, justamente pelo dispositivo da holófrase. Aqui, a substância do sujeito não se abole do seu saber. Essa substância sustenta seu discurso em vez de ser sustentada por uma falta. 

 

                                Intervalo Holofrásico e invenção esquizofrênica

 

                                  A holófrase é o que é não somente responsável pela ausência do intervalo entre S1 e S2 que impede a separação do objeto a, mas permite também a invenção de uma suplência para a ausência de metáfora qua do sujeito. A noção de suplência sugere que uma forma de substituição se produz. Contudo, o ícone ou pseudometáfora, mesmo que aja como o último ponto de estofo restante, que impede o sujeito de perder totalmente a ligação com sua língua, não permite, por si só, ao significante, representar um sujeito para um outro significante. O intervalo ausente entre S1 e S2 impede a divisão do sujeito por uma operação que pode subtrair alguma coisa do Outro.  No entanto, parece que essa brecha pode ser mais ou menos aberta.

 

                         As cadeias deslizantes geram imagens que permitem ao sujeito tomar um pouco de distância da imagem em espelho para permitir uma forma de existência mais satisfatória, talvez como a do sujeito autista quando se põe a falar. Entretanto, nenhuma forma de ancoragem impediu a forma no espelho de mudar, e em conseqüência da medicação que acalmava o delírio, a metamorfose parava, deixando o sujeito com uma resposta muito medíocre ao gozo do Outro --- o ícone. E, com efeito, sob essa forma elementar, parece haver pouca ou nenhuma diferença entre o ícone esquizofrênico e a pseudometáfora autística.

 

                        Talvez a única diferença entre essas estruturas é que o ícone permanece um tanto ativo e mobilizável numa cadeia de palavra. No passado, o sujeito não estava autorizado a sair do hospital psiquiátrico. Uma mudança na política de gestão da doença mental na França permitiu a esse paciente uma nova forma de tratamento na qual ele podia obter permissões para sair do hospital e mesmo seguir tratamentos externos.  Embora o paciente tenha se abstido de explorar seus novos direitos, lhe acontecia às vezes sair do hospital, acompanhado por um enfermeiro e alguns outros pacientes. Dessa maneira ele pôde desenvolver um gosto pelas apostas nos bares PMU do bairro. Embora seus temores de encontrar o olhar do outro aumentassem durante essas saídas, particularmente quando estava só, elas lhe permitiram apostar. Poderíamos compreender essas apostas como iniciadoras de uma questão relativa ao ser para ele. Ora, uma questão não é ser.  Ela significa alguma coisa diferente de uma presença real.

 

                     Lembrando-me do que esse sujeito dissera durante o período fecundo do seu delírio sobre um je(u) de cavalo, observei que sua síndrome dismorfofóbica parecia um tanto aliviada com sua participação nas apostas. Freud observou no jogo do fort-da a articulação do significante da ausência do Outro, gerada pela ausência repetida, criada pelo lançamento de um carretel por uma criança. Essa criação de uma espécie de campo vazio pela criança era um meio de exercer um pouco o risco da presença real por sua própria automutilação. “Esse carretel, não é a mãe reduzida a uma bolinha por não sei que jogo digno dos Jivaros -- é alguma coisinha do sujeito, que se destaca embora ainda sendo dele, que ele ainda segura. É o caso de dizer, imitando Aristóteles, que o homem pensa com seu objeto.”[37] Talvez o sujeito esquizofrênico desdobre os elementos do ícone por esse meio, destacando uma parte de si mesmo numa automutilação que escapa momentaneamente do real.

 

                      Para Pierre Bruno, o que ‘é específico da esquizofrenia é o fato de que o sujeito é significado pela frase que fala dele, sem jamais ser nomeado, quer dizer, isolado enquanto tal na linguagem'. Contudo, este assunto parece demonstrar que embora um pouco isolado na linguagem, haja um acesso certeiro a um ‘núcleo de identificação’, diferente do da paranóia. Ora, essa diferença está além do campo desse artigo. Esse sujeito esquizofrênico parece demonstrar que encontrou um meio de contar com um dispositivo que é mais que o de uma ‘significação’. Já é uma forma de nomeação.

 

                     O sujeito que diz: “Eu sou um je(eu) de cavalo” ou “Eu sou um jeu(jogo) de cavalo”, embora o pronome da primeira pessoa esteja colado no que fala dele, é talvez numa posição bem diferente dessa identificada por Leonardo Rodriguez como sendo a posição do sujeito autista « um sujeito sem um nome próprio, que no ato de sua fala repete os significantes (reduzidos a signos congelados) do Outro. No lugar da identificação primordial com o significante do ideal (I), o sujeito autista permanece identificado com esses significantes petrificados »[38]. Embora o sujeito esquizofrênico continue um tanto identificado com os significantes congelados, como o sujeito autista, há uma possibilidade de discurso. Esse discurso permite ao sujeito uma participação social limitada que lhe permite existir em seu próprio corpo. Ele poderia assim ler o jornal, se aventurar nos bares, consumir uma bebida, enfrentar o olhar do outro, e mesmo, compartilhar o dinheiro que ganhou ocasionalmente, ainda que essa estabilização tivesse que ser recriada a cada vez.

 

                          A noção de suplência no esquizofrênico se apresenta assim quase apesar da questão da duração. Ela poderia se manifestar, por conseguinte, como algo de extremamente furtivo, que dura apenas o tempo, por exemplo, de uma corrida de cavalos, o tempo de um estofamento, seguido de uma suspensão. Embora a atividade de defecação pudesse ser correlacionada a um estofamento, depois a uma suspensão do ícone na cadeia falada, não podemos falar da defecação como suplência mesmo que permitisse um alívio da síndrome dismorfofóbica. A partir da idade da educação esfincteriana, essa atividade não tem mais nada de uma dimensão do laço social, necessária para fazer suplência, segundo Lacan. Essa correlação de objeto anal com a imagem especular, verificada igualmente a partir do ícone, assinala, entretanto, a relação da demanda com o nível escópico/anal.[39]  “O nível anal é o lugar da metáfora”[40], diz Lacan. Contudo, aqui, parece que não falamos ainda de uma metáfora, apesar desse momento suspensivo, mas de objeto de substituição ou, em extremo, de objeto de uma identificação primitiva, e em todo o caso, de um falso-semblante do sujeito.

 

                          Além disso, não é somente a existência de um alívio da síndrome dismorfofóbica que nos permite dizer que as apostas servem de suplência para este paciente. É antes de tudo os jogos de linguagem e a parada do deslizamento da cadeia significante na cadeia dos significados, nesse lugar, que nos permite reencontrar o que poderia ser tido levado em conta pelo sujeito como suplência possível e que poderia servir de apoio para o terapeuta. A invenção desse paciente é, entretanto totalmente concordante com suas capacidades e suas origens populares. A sua pergunta sobre qual aposta, qual ideal, qual cavalo, qual nome no qual apostar é ligado ao ícone, congelado ao primeiro significante. Contudo, a estruturação da fala em forma de questão, que para ele é a questão de adquirir um nome, é uma espécie de busca epistemológica aberta para as respostas possíveis que não dependem mais somente dos acasos do Outro. Ele parece fornecer, por este meio, um intervalo suficiente para criar um Sinthoma, precisamente porque a questão gera uma falta metonímica na cadeia significante. É bem aí que um outro significante, talvez aquele que indica o sujeito, poderia ser representado, ainda que momentaneamente. Por esse dispositivo, me parece, o sujeito cria uma espécie de intermediário similar àquele criado pela disjunção da verdade e do saber. A dismorfofobia pode assim ser compreendida não forçosamente como sinal de psicose, mas, sobretudo como sinal de certeza. Sem a invenção dessa possibilidade de um encontro fracassado, o sujeito ficaria sempre perdido na sua procura simbólica,… fora do discurso[41]. Of course!       

 

 

 

                                                                                  © Barbara Bonneau Junho de 2003

 

 

 

 

 

 

 



[1] N.do T.: Em português não podemos transmitir a homofonia que há em francês entre (je)eu e (jeu)jogo.

[2] FREUD, S., L’homme aux Loups, À partir de l’histoire d’une névrose infantile, 1914 {1918}. Traduzido do alemão por Janine Altounian e Pierre Cotet, Paris PUF, collection Quadrige, 1990, p.82-83

[3] LACAN, J., Le Séminaire I, Les Écrits Techniques de Freud, 1953-54, texte établi par Jacques-Alain Miller, Paris, Seuil, 1975,p. 54-55

[4] FREUD, S., Remarques Psychanalytiques sur l’autobiographie d’un cas de paranoïa (Dementia paranoïde) : Le Président Schreber (1911), trad. M. Bonaparte e R. Lowenstein, in Cinq Psychanalyses, PUF, Paris, 1954, p.315

[5] LACAN, J., Le Séminaire sur l’Angoisse, leçon du 22 mai 1963, não publicado até a redação desse texto.

     [6] N. do T. A tradução em português, ‘eu matei’ também não transmite o duplo sentido que há   

     em francês: « J’ai tué [tu es]».

[7] LACAN J., Le Séminaire III, Les Psychoses, 1955-56, Seuil, 1981, p. 297. O ponto de estofo (também traduzido por ponto de basta) é designado por Lacan como o constituinte elementar de seu “grafo do desejo”, o elemento “pelo qual o significante para o deslizamento que de outra maneira seria infinito da significação”. Dizendo de outra maneira, o ponto de estofo é o elemento essencial para que um discurso tenha uma significação.  Ele se define, segundo Lacan, por dois eixos da linguagem, o que contem a rede dos significantes, determinado pela estrutura sincrônica, e o que contem a rede dos significados, determinado pela estrutura diacrônica. Esta segunda rede reage a posteriori sobre a primeira, cada termo sendo antecipado na construção dos outros, a significação só sendo detida com seu último termo.  Exprimindo em termos de eixos paradigmático e sintagmático, a ação a posteriori define o eixo paradigmático com um estofamento dos termos do significado e do significante para fazer sentido, enquanto que o eixo sintagmático define a ação independente do significante que se desenrola na cadeia falada. A tradução de uma língua para outra leva em conta, de maneira geral, apenas o eixo paradigmático. Para traduzir a poesia, os textos dos analisantes, etc., uma pesquisa sobre a assonância (o eixo sintagmático) é também freqüentemente necessária.

   [8] Ibid. P.271

  [9] LACAN J., Le Séminaire, Livre XI, Les Quatre concepts fondamentaux de la psychanalyse,1964-65, Seuil, 1973, p.129.

[10]  Os sons que são repetidos várias vezes nessas seqüências correspondem a : ty, e, va, ç, i, a, le, no código fonético internacional.

[11] Insulto que as crianças utilizam para degradar as outras crianças, sobretudo quando a outra age ‘como uma pequenininha’, ou chora excessivamente. A palavra Cadum vem de uma publicidade para produtos de bebê.

   [12] Lacan define em S2 os significantes pertencentes a uma seqüência de sentido.

    [13] N.do T. Chialer e je suis allé ont presque la même sonorité en français.

   [14] Esse fluxo contínuo de significantes poderia ser mais facilmente observado lendo em voz alta       

    de maneira contínua, os elementos do discurso do sujeito : Vache à lait (vaca leiteira), Cheval   

    (cavalo), Va chier (vá cagar), aller (ir), chial, chi.

    [15] FREUD, S. « Remarques psychanalytiques sur l’autobiographie d’un cas de paranoïa    

    (Dementia paranoïde) : Le Président Schreber (1911), trad. M. Bonaparte et R. Lowenstein, in  

    Cinq psychanalyses, P.U.F., Paris, 1954, p. 59..

    [16] LACAN, Jacques, Le Séminaire III, Les Psychoses, 1955-56, op. Cit., p. 271.

    [17] LACAN, Jacques, « Subversion du sujet et dialectique du désir dans l'inconscient freudien »,

    1960, in Ecrits, Paris, Editions du Seuil, 1966, pp. 793-827.

    [18] ROBINS, R. H., citado par Alexandre Stevens in STEVENS, Alexandre, « L’holophrase » in Ornicar ? Paris: Navarin,  Automne 1987-88, p.. 47-48.

    [19] A partir do Darwinismo e do encontro com os povos ditos “primitivos” no século dezenove,  numerosos “linguistas” reflectiram sobre a origem da linguagem sem fundamento científico. Contudo a noção da holófrase era levada em conta de maneira mais rigorosa por outros com uma classificação das línguas de acordo com o uso de referências internas à estrutura delas.  A holófrase é levada em conta nessas tipologias segundo o modelo das línguas ditas aglutinantes. A tripartição de Von Hombolt é baseada na « estrutura predominante da palavra enquanto unidade gramatical ».

[20]  BICKERTON, D.  Language and Species, University of Chicago Press, Chicago, 1990. Mais recentemente o linguista Derek Bickerton, introduziu a idéia de uma « protolinguagem » que permitiria descrever a língua dos Homo erectus. Essa protolinguagem primitiva é composta de justaposições de palavras concretas, mas não possuiria gramática sem que isso prejudicasse o sentido global da frase. Este lingüista faz a mesma aproximação entre a linguagem dita primitiva e a linguagem praticada por crianças pequenas. Ela permite enunciar frases como « quer comer », “bebê fome” ou ainda “papa não bora” e será baseada no estudo da comunicação animal, especialmente a dos pássaros.   

[21] LACAN J., Le Séminaire, I, Les Ecrits Techniques de Freud, 1953 - 54, texte établi par Jacques-Alain Miller, Paris, Seuil, 1975, p. 250.

   [22] LACAN, Jacques, Le Séminaire, Livre XI, Les quatre concepts fondamentaux de la

   psychanalyse, 1964-65, Seuil, 1973, p. 215.  

 [23] PIERCE, Charles citado por Jakobson, R. « A la recherche de l’essence du langage » pp. 22-38, 

   Problèmes du langage, Paris, Gallimard, 1966, p. 24. De acordo com Jakobson, Peirce chamava

   esse dispositivo na linguagem um ícone e ele o opunha ao índice e ao símbolo (metáfora no

   sentido lacaniano). É também um dispositivo lingüístico já muito próximo da noção da 

   holófrase, de acordo com as línguas.  

  [24]CECCARELLI, Armando, citado por: L. Rodriguez, « Autistic speech », pp. 124-136, Analysis,

  n° 10, 2001, 176 pages. Traduit de l’anglais par l’auteur. p. 129.

  [25] Ibid.

  [26] LACAN, Jacques, Le Séminaire  XXIII, Le Sinthome, 1975-76, não publicado até hoje.

  [27] LACAN Jacques, O  Seminário, Livro XI, Os quatro conceitos fundamentais da

  psicanalise, Rio de Janeiro: Zahar Editores 1973, p.. 225.

[28] Ibid, p.135. Lacan diz: “O traço unário, o próprio sujeito a ele se refere, e de começo ele se marca como tatuagem, o primeiro dos significantes. Quando esse significante, esse um, é instituído -- a conta é um um. É ao nível, não do um, mas do um um, ao nível da conta, que o sujeito tem que se situar como tal. Com o que, os dois uns, já, se distinguem. Assim  se marca a primeira  esquize que faz com que o sujeito como tal se distinga do signo em relação ao qual, de começo, pôde constituir-se como sujeito. Eu lhes ensino então a se guardarem de confundir a função de $ barrado com a imagem do objeto a, na medida em que é assim que o sujeito, este, se vê, redobrado -- se vê como constituído pela imagem refletida, momentânea, precária, da dominação, se imagina homem apenas pelo que se imagina.” Sublinhado por mim mesma. Não é porque podemos falar de um primeiro significante que este é isolável na estrutura. No psicótico, a fixação permanece no próprio eu porque a não está separado. A função “fálica”, carregada pelo significante mestre, serve para atrair o olho e fragmentar o olhar. Ela pode igualmente, em certas condições, ser estabilizadora para a formação de uma imagem dita fálica nos temas de grandeza em certos delírios. Essa “imagem fálica” nos parece corresponder a uma estrutura específica no esquizofrênico mas não é por isso que ele se destaca do quadro. A holófrase ilustra esta relação não distinta entre imagem e quadro. O “reconhecimento” da imagem aqui será antes o de uma cativação pela imagem. Não obstante ele não é cativado pela imagem do outro.

[29] Ibid, p.216

[30]  “En situant l’holophrase sur les signifiants j’suis et chi, je situe ces signifiants comme S1 et S2, selon la définition de Lacan. Bien que j’isole d’une certaine façon le deuxième signifiant, ce n’est pas pour autant qu’on aurait isolé S1 ». Tradução livre: Localizando a holófrase nos significantes j’suis (sou) e chi, situo estes significantes como S1 e S2, de acordo com a definição de Lacan. Embora eu isole de certa maneira o segundo significante, não é por isso que isolaríamos S1. 

[31] LACAN J., Le Séminaire, I, Les Ecrits Techniques de Freud, 1953 – 54, op. Cit. p. 251. Para Lacan « l’holophrase n’est pas intermédiaire entre une association primitive de la situation comme totale, qui serait du registre animal, et de la symbolisation » (a holófrase não é intermediária entre uma associação primitiva da situação como total, que seria do registro animal, e da simbolização).  Trata-se de « quelque chose où ce qui est défini à la limite, à la périphérie » ( algo onde o que é definido em extremo, na periferia)... « toute holophrase se rattache à des situations limites, où le sujet est suspendu dans un rapport spéculaire à l’autre » (toda holófrase está ligada a situações limites, onde o sujeito está suspenso numa relação especular ao outro).

[32] LACAN, Jacques, »Le désir et son interprétation », leçon du 3 décembre 1958.

[33]FREUD S.:Psicopatologia da vida cotidiana, Edição Standard Brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1987, vol.VI. Freud utiliza a palavra « contaminação », em sua Psicopatologia da vida cotidiana, p. 64 de 1901 nesses termos : « A formação de substituições e contaminações nos lapsos da fala é, por conseguinte, um começo do trabalho de condensação que encontramos em diligente atividade na construção do sonho.”E ele retomará esse conceito em 1912 quando fala do procedimento animista em Totem e Tabu antes de utilizá-lo para o desenvolvimento de Inconsciente. (Sublinhado pela autora).

[34] FREUD, S. Artigos sobre metapsicologia, Edição Standard Brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1974, vol.XIV, p. 227 “Na esquizofrenia, as palavras estão sujeitas a  um processo igual ao que interpreta as imagens oníricas dos pensamentos oníricos latentes -- que chamamos de processo psíquico  primário. Passam por uma condensação e por meio do deslocamento transferem integralmente suas catexias de umas para as outras. O processo pode ir tão longe, que uma única palavra, se for especialmente adequada devido a suas numerosas conexões, assume a representação de todo um encadeamento de pensamento. As obras de Bleuler, de Jung e de seus discípulos oferecem grande quantidade de material que apóia particularmente essa assertiva.” (sublinhado no texto).

[35] BRUNO, Pierre, citado por Rodriguez, L. « Autistic speech », pp. 124-136, Analysis : 10, 2001, 176 pages. Traduzido do francês.

[36]LACAN, Jacques, « Subversion du sujet et dialectique du désir dans l'inconscient freudien », 1960, op. Cit. , p. 802.

[37] LACAN Jacques: O Seminário, Livro XI,  Rio de janeiro: Zahar Editores, p. 63.

[38] RODRIGUEZ, Leonardo, “Autistic speech”, op. Cit., p. 129.

[39]Refiro-me aqui ao grafo do desejo tal como Lacan articula em |22] e em |19]

[40] LACAN Jacques, O Seminário, Livro XI,  Rio de janeiro: Zahar Editores, p.101.

[41] A tradução para o português não conserva o jogo de palavras entre o francês e o inglês : hors(e) discours(e).